Introdução
Os LIBERTÁRIOS, habituados à estimulante liderança intelectual de Murray Rothbard, talvez não se lembrem de que ele foi também um dos primeiros a desenvolver o pensamento libertário. Como fundador e editor-chefe da revista Left and Right, contribuiu para desvincular esse movimento de sua associação popular e acadêmica com a opinião de direita. Para sua vergonha, os intelectuais norte-americanos – sobretudo após o New Deal – procuraram obliterar a identificação histórica entre liberalismo e oposição à usurpação das liberdades e dos direitos do indivíduo pelo governo. Mais ainda, esqueceram que o antiestatismo e o antimilitarismo sempre fizeram parte do liberalismo histórico. Muitos valores liberais tradicionais caíram assim em mãos dos conservadores, que interpretaram a liberdade de acordo com sua própria posição privilegiada dentro do moderno estado previdenciário-militarista. Tudo isto foi denunciado por Rothbard e seus companheiros nos incisivos artigos que publicaram em Left and Right, encabeçados pelo texto inicial escrito pelo próprio Rothbard, no primeiro número da revista, na primavera de 1965.
É pois um prazer colocar ao alcance de novos leitores o clássico ensaio de Rothbard, Esquerda e Direita: perspectivas para a liberdade. O
autor monta a cena situando com precisão o conservantismo no plano de fundo do Ancien Regime. Esta era a Velha Ordem do feudalismo, da “sociedade do status” de Maine e da “sociedade militar” de Spencer. Sob a influência do Iluminismo do século XVIII e das revoluções ocorridas na Inglaterra, na América do Norte e na França, bem como na Revolução Industrial, a humanidade desvencilhou-se dos grilhões do estado absoluto e da Igreja. “A Velha Ordem foi, e ainda é, o grande e poderoso inimigo da liberdade”, escreve Rothbard. Por um breve espaço de tempo, porém, no século XIX, o liberalismo “trouxe para o Ocidente não apenas a liberdade, a perspectiva da paz e os padrões de vida ascendentes de uma sociedade industrial, mas, talvez acima de tudo, trouxe esperança, a esperança num progresso cada vez maior, que tirou a maior parte da humanidade de sua imemorial fossa de estagnação e desesperança”. Rothbard insere portanto o liberalismo na grande tradição radical da esperança e da liberdade, em oposição à avaliação pessimista da natureza do homem e de suas perspectivas, própria do conservantismo.
O declínio do liberalismo começou, afirma Rothbard, quando “os direitos naturais e a teoria da ‘lei maior’ foram deixados de lado em favor do utilitarismo”, e com o “evolucionismo, ou darwinismo social, que desferiu o golpe final sobre o liberalismo como força radical na sociedade”. O socialismo, que tomou o lugar do liberalismo radical como o partido “da esquerda”, logo se viu presa de uma contradição interna. Ao invés de ter o estado desaparecido ou definhado aos poucos, como postularam, respectivamente, Bakunin e Marx, o coletivismo tornou-se ele próprio um gigantesco estado. Além disso, como os historiadores há muito o reconheceram, os socialistas de direita (os fabianos na Inglaterra, por exemplo) apoiaram o imperialismo, enquanto os partidos socialdemocráticos da Europa, abandonando seu pacifismo, tomaram posição ao lado do estado e da nação por ocasião da Primeira Guerra Mundial.
Embora ambos tenham assumido na prática um caráter indubitavelmente estatista e totalitário, Rothbard estabelece uma distinção entre o radicalismo revolucionário original dos soviéticos e o coletivismo contrarrevolucionário de direita do fascismo. Quando os oponentes conservadores do programa coletivista do New Deal o associaram a conspiradores de esquerda, destaca Rothbard, surgiu da parte de “alguns libertários a enorme tentação de perseguir o comunismo”. Mas o New Deal, afirma ele, foi essencialmente um movimento conservador, herdeiro daquele tipo de progressismo conservador que Gabriel Kolko e outros associaram ao período de Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson. Libertários como H. L. Mencken e Albert Jay Nock uniram-se a liberais do velho estilo, ou a conservadores, na oposição à administração de Roosevelt, que se teria tornado demasiado coletivista para seu gosto – uma administração que estava também voltada para a guerra. Além disso, em contraste com o lugar que ocupavam no espectro ideológico durante outras guerras travadas pelos Estados Unidos no século XX, as forças pacifistas e isolacionistas foram dessa vez identificadas com a “direita”. Entretanto, quando, depois da Segunda Guerra Mundial, os conservadores voltaram a ser favoráveis à guerra total sob a forma da guerra fria, os libertários num primeiro momento os acompanharam. Nas palavras de Rothbard, “os liberais tinham perdido completamente sua identidade e suas diretrizes ideológicas tradicionais”.
A partir dessa confusão, posta em realce pela guerra do Vietnam, os libertários retornaram ao pacifismo e ao antiestatismo históricos, característicos da tradição liberal. O ensaio de Rothbard, escrito em 1965, ajudou a indicar o caminho; combateu também a noção liberal modernista, tão popular entre a “Velha Esquerda”, de que liberdade política e liberdade econômica pertencem a campos distintos. Somente a liberdade, e somente um mercado livre, como afirma Rothbard, “podem organizar e manter um sistema industrial”. Em vez de um planejamento coletivista, a própria complexidade do sistema industrial moderno – acima da capacidade de compreensão e de gestão de qualquer grupo de planejadores – exige a disciplina automática do laissez-faire e do mercado livre. Os países comunistas veem-se hoje forçados a dessocializar suas economias de escassez e de ineficácia, justamente quando emerge uma geração mais jovem de libertários de Nova Esquerda para questionar as velhas platitudes do estado previdenciário-militarista. Por tudo isto, Rothbard mostra-se confiante em que “embora as perspectivas a curto prazo para a liberdade nos Estados Unidos e no exterior possam parecer sombrias, a atitude adequada ao libertário è a de um inextinguível otimismo quanto aos resultados finais”.
Arthur A. Ekirch, Jr. Novembro de 1978
Albany, New York