Ebook – Propriedade, Liberdade & Sociedade: ensaios em homenagem a Hans-Hermann Hoppe

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Autor: Jörg Guido Hülsmann e Stephan Kinsella

Titulo do original: Property, Freedom, and Society: Essays in Honor of Hans-Hermann Hoppe

Tradução: Fernando Fiori Chiocca

Disponível nos formatos: PDF, EPUB, MOBI

R$0,00

Valor estimado para pagamento com criptomoedas.

Prefácio à Edição Brasileira

O presente festschrift contou com a participação de 35 autores que deram depoimentos sobre sua amizade com Hans-Hermann Hoppe e/ou aproveitaram a oportunidade para comentar ou desenvolver algumas das teses dele. Entre esses autores estão os maiores libertários e economistas do mundo, como Lew Rockwell, Walter Block, Jesús Huerta de Soto, Joe Salerno e Guido Hülsmann. O livro foi publicado em 2009 e entregue a Hoppe em comemoração aos seus 60 anos de idade. Hoje, 13 anos depois, aproveito a oportunidade da publicação da tradução da obra para modestamente me inserir no meio desses grandes autores. Comecei a me interessar pelas ideias de liberdade no início dos anos 2000, e na época não havia nenhum trabalho de Hoppe traduzido para o português; então os livros de Milton Friedman foram minha “porta de entrada”. Um pouco depois cheguei a Ayn Rand, depois Mises e outros austríacos que tinham obras traduzidas pelo Instituto Liberal. E cheguei no beco sem saída do Liberalismo, já que conteúdo libertário em português era praticamente inexistente. Foi quando comecei a ler os artigos e livros em inglês do Mises Institute, que me tornaram um libertário em pouco tempo. O conteúdo austro-libertário teve um impacto muito forte na formação de minhas ideias, e senti um ímpeto de divulga-las para o público brasileiro. Foi para suprir a carência de material austro-libertário em português que eu e meus irmãos fundamos o Instituto Mises Brasil em 2007, que foi rebatizado em 2015 como Instituto Rothbard, após desavenças com outros fundadores que quiseram alterar essa missão original. Voltarei a isso mais tarde. E em meio a um conteúdo tão rico de autores brilhantes, logo ficou claro para mim que um deles conseguia a proeza de se destacar, com uma profunda erudição em muitos temas, uma expressão clara e direta das ideias, e contribuições seminais ao avanço das teorias; nitidamente, Hoppe era o sucessor vivo da tradição de Mises e Rothbard. Como tradutor de muitos trabalhos de Hoppe, algo que me chamou a atenção foi sua precisão no uso das palavras e seu refinamento na construção de frases; Hoppe diz exatamente o que precisa ser dito e na forma que precisa ser dito, nem uma vírgula a mais nem a menos. Algo como a exatidão da engenharia alemã na construção de máquinas. Acredito que ele deva pensar em alemão e escrever em inglês, e nesse processo, a mágica acontece. Porém, anterior a esse primor na escrita está o seu rigor intelectual, que, sem fazer concessões, não deixa escapar o mais irrisório detalhe de uma ideia, e vai construindo seu pensamento em blocos sólidos, um sobre o outro, certificando-se que não aja nenhum defeito no bloco inferior antes de assentar o superior. Deste modo, com ideias consistentes como um bunker e claras como cristal, Hoppe desenvolveu profusamente o austro-libertarianismo ao mesmo tempo que demolia muitos adversários, ganhando muitos admiradores e também muitos inimigos no processo. Sendo um desses admiradores, eu tive a oportunidade de conhecer meu ídolo pessoalmente em 2011, quando organizei o II Seminário de Economia Austríaca, em Porto Alegre, no qual tivemos a honra de ter Hans Hoppe como keynote speaker do evento. E pude confirmar que todos os depoimentos que vocês lerão neste livro sobre o carisma pessoal de Hans são verdadeiros. Simpático, bem-humorado, prestativo e amável com todos, está quase sempre disposto a responder das perguntas mais simples às mais complexas. “Quase sempre”, pois antes das duas palestras que ele deu em nosso seminário, ele pediu para permanecer isolado, enquanto se preparava, focando na apresentação. E que apresentações foram essas! Uma sobre a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos e outra sobre Leis Privadas[1] deixaram o público estupefato. Vale a pena contar aqui uma história sobre o efeito das palestras de Hans sobre o público. Nós havíamos montado uma loja no saguão do teatro para vender livros durante os intervalos, e minutos antes de acabar a sessão de perguntas e resposta que encerraria a primeira palestra de Hoppe, me dirigi à nossa lojinha para me preparar para atender os compradores que logo estariam ali. Quando cheguei lá, me deparei com um dos outros palestrantes do evento, o professor Ubiratan Iorio – um economista austríaco hayekiano, mas também muito influenciado por Mises. Iorio estava lá sozinho e já tinha feito uma pilha com todos os títulos de Hoppe que tínhamos disponíveis e me perguntava, afobado, enquanto vasculhava as estantes, se havia algum outro livro dele ou se aqueles empilhados eram todos. Ele me contou que aquela era a primeira vez que ele ouvia Hoppe, que não conhecia sua obra; e ficou tão impressionado que queria compensar o tempo perdido o mais urgentemente possível. Outro exemplo foi quando eu comecei a ler o livro A Ciência Econômica e o Método Austríaco, que é composto por uma série de palestras que Hoppe deu no Mises Institute e depois foram transformadas nesse volume. Após ler o primeiro capítulo eu parei a leitura e fui impelido a iniciar prontamente a tradução da obra; eu havia sido dominado por uma forte convicção de que o público de língua portuguesa não podia ficar nem mais um minuto sem acesso a essa preciosidade. E também foi uma maneira de eu me deter mais tempo em cada parágrafo, em cada frase, para tentar absorver melhor todo o conhecimento comprimido ali. Nessas palestras Hoppe explanou maravilhosamente bem a praxeologia e fez avanços importantes sobre a Ação Humana de Mises. Desde então, isso se tornou um hábito; tenho traduzido todos os textos de Hoppe que posso. Hoppe não é apenas o principal expoente da economia misesiana e do austro-libertarianismo rothbardiano; ele também é, assim como seus mestres Mises e Rothbard, o herdeiro de um espírito intransigente na busca e divulgação da verdade que nunca relativiza seus princípios para se conformar ao Zeitgeist. E assim como eles, também pagou um preço por isso. Ao desafiarem os dogmas do mainstream acadêmico econômico, os três perderam muitas oportunidades, com posições negadas e rendimentos reduzidos. Mesmo assim, eles nunca alteraram ou atenuaram suas concepções para agradar ninguém. Nos tempos do império do Politicamente Correto, Hoppe enfrentou sérios problemas enquanto era professor na Universidade de Nevada: uma batalha contra a Polícia do Pensamento[2] lhe custou uma quantidade enorme de tempo e energia. No final Hoppe acabou vencendo e mantendo seu emprego, mas perdendo o desejo de continuar em um ambiente acadêmico sem liberdade. Mas se essa postura radical é causa da perda de prestígio, influência, fama e dinheiro, ela pode ser, no final das contas, a causa da vitória do ideal austro-libertário, conforme Philipp Bagus explica no capítulo 12 deste livro, “Radicalismo intransigente como estratégia promissora”, e ela foi mais uma das coisas que Hoppe inspirou em mim. Basicamente, foi essa postura que causou o racha no nosso Instituto em 2015. Lá atrás em 2007, quando eu e meus irmãos procurávamos alguma forma de financiamento para nossa ideia de traduzir e divulgar o conteúdo austro-libertário, encontramos o magnata Helio Beltrão que gostou da ideia e topou ser esse financiador, fundando o Instituo Mises Brasil junto conosco. Tudo ia bem; conforme íamos disponibilizando livros e artigos austro-libertários em português o instituto foi ganhando muitos seguidores. Mas, cada vez mais, Beltrão foi interferindo contra essa intransigência radical, fazendo concessões e se curvando ao mainstream. O ponto de ruptura foi em 2015, logo após Dilma Rousseff ser reeleita presidente do Brasil, vencendo em alguns estados e em outros sendo arrasadoramente derrotada. O momento era muito propício para divulgarmos ainda mais a ideia hoppeana de secessão, mas Beltrão usou seu poder de financiador para proibir o assunto, alegando que a ideia de secessão não era muito bem vista e poderia gerar associações do instituto com xenofobia, extremismo, etc. Logicamente essa associação era feita pela grande mídia e pelo mainstream acadêmico, e Beltrão escolheu se curvar a eles ao invés de seguir na defesa da verdade. Nesse instante abrimos mão do financiamento vultoso e preferimos continuar em nosso caminho original, sem recursos, mas com o radicalismo intransigente nos guiando no rebatizado Instituto Rothbard. Hoje, sete anos depois, o lado de lá cresceu muito em audiência e nós, após um recomeço com muitas dificuldades, seguimos com um alcance diminuto. Mas como influência não é nosso parâmetro, consideramos que estamos sendo muito mais bem sucedidos. Quanto a isso, vale a pena fazer aqui uma constatação do atual estado de algumas pessoas que estavam ligadas ao instituto em seus primeiros anos. No início dos anos 2010 Joel Pinheiro da Fonseca era um estudante de mestrado de Filosofia na USP, membro do Students For Liberty, escrevia artigos para o nosso instituto e participava de encontros libertários em São Paulo. Em 2013, Joel entrevistou Hoppe para sua revista Dicta&Contradicta[3] e fez a seguinte pergunta:
 Joel: A vida acadêmica em seu estado atual é um ambiente saudável para um intelectual? É possível que ele sobreviva em qualquer outro meio? Hoppe: Depende do intelectual. A vida acadêmica pode ser muito confortável para quem vomita platitudes politicamente corretas de esquerda por anos a fio.
Talvez Joel seja a pessoa no mundo que levou Hoppe mais à sério, pois ele seguiu à risca seu conselho. Hoje em dia Joel é um colunista do jornal Folha de São Paulo e comentarista da rádio e TV Jovem Pan que diariamente “vomita platitudes politicamente corretas de esquerda”. Objetivo de vida acadêmica confortável atingido com sucesso. Logicamente, somente alguém que atinge um nível elevado de depravação intelectual pode se tornar colunista da Folha. Pior que Joel é Helio Beltrão, que hoje além de colunista da Folha é comentarista da Rede Globo, um demérito absoluto. Este fato sozinho mostra o quanto sua pessoa não tinha nada a ver com o instituto que fundamos. O caso de Kim Kataguiri também é digno de nota. Leitor assíduo de nosso instituto, ainda adolescente começou a ganhar fama fazendo vídeos liberais/libertários no Youtube. Kim era tão fã do instituto que durante nossa Conferência de Escola Austríaca de 2014 ele, espirituosamente, pediu para tirar uma foto com minha mãe, por ela ter gerado a mim e meus irmãos. Porém, sua evolução intelectual passou longe do radicalismo intransigente; hoje ele é um deputado federal defensor dos piores tipos de atrocidades, como lockdown, máscaras e vacinas obrigatórias, e até um rígido Ministério da Verdade orwelliano com prisão de 2 a 8 anos por divulgação de “fake news”. Além desses desenvolvimentos execráveis existem outros um pouco melhores. Rodrigo Constantino fazia parte do pequeno círculo virtual austro-libertário desde meados dos anos 2000, na finada rede social Orkut. Ele escrevia artigos em seu blog pessoal e também em nosso instituto, onde publicou um livro – uma coletânea de resenha das obras de economistas austríacos.[4] Embora ele não fosse um libertário, consideramos que ele era próximo o suficiente do austro-libertarianismo e o convidamos para ser membro de nosso instituto. Em pouco tempo essa nossa avaliação se mostrou completamente equivocada. Se antes ele parecia se aproximar cada vez mais do austro-libertarianismo, depois que passou a fazer parte do instituto começou a se afastar cada vez mais dos ideais libertários. Passamos a ter discussões longas e acaloradas sobre temas que antes eram pontos-pacíficos, até o ponto que culminou em sua expulsão do instituto após uma discussão em que Constantino defendia a democracia. E ele não tinha nada a ver com o instituto mesmo; não era nem libertário e nem austríaco. E claramente era alguém que buscava um grande público, e o encontrou defendendo um estatismo democrata liberal mainstream. Ele inclusive chegou a escrever um livro intitulado Confissões de um ex-libertário: Salvando o liberalismo dos liberais modernos, em que ataca o anarco-capitalismo e o radicalismo, livro que não li e não lerei simplesmente por já conter uma mentira no título: Constantino nunca foi um libertário, e disso eu sou testemunha. Além disso, já sofri durante meses nas discussões internas do instituto refutando todos os seus argumentos pueris contra o anarco-capitalismo. Posso apostar que além do título, todo o resto de seu livro deve ser sofrível. Hoje Constantino é um famoso autor best seller e comentarista de canais de TV. Apesar de ser um estatista, sua postura não é tão vexatória como a dos três citados anteriormente e Constantino está entre os melhores comentaristas da grande mídia atual, que hoje em dia conta com uma turma de liberais/conservadores que não tinha nenhum espaço na mídia até pouco tempo atrás. O recente surgimento do canal de televisão Jovem Pan News e programas como o do jornalista Luís Ernesto Lacombe na Rede TV! quebraram a completa hegemonia da esquerda na grande mídia, que durava décadas. Porém, apesar de darem voz a opiniões de direita, a esquerda ainda possui presença e influência nestes espaços, que são fundamentalmente pautados pelo politicamente correto esquerdista. Ademais, logicamente, um passo para a direita não significa muita coisa para a liberdade, e a hegemonia estatista segue inabalável – nenhum espaço para quem contesta a agressão institucionalizada. Outro que hoje é também comentarista da TV Jovem Pan News e teve relativo sucesso na carreira política é Ricardo Salles, que foi parceiro do nosso instituto durante os muitos anos em que realizamos juntos a campanha do Dia da Liberdade de Impostos, onde promovíamos a venda de gasolina descontado o valor dos impostos, ou seja, pela metade do preço.[5] Embora tenha algumas posições próximas das libertárias, Salles sempre foi um estatista liberal e via o evento – que sempre recebeu ampla cobertura da mídia, inclusive com helicópteros das redes de televisão sobrevoando o posto de combustível – mais como um palanque para defender a diminuição do estado do que como um meio de declarar uma objeção filosófica aos impostos e ao estado. Por exemplo, ele preferiu que o adesivo distribuído tivesse a frase mais genérica “CHEGA DE IMPOSTOS” no lugar da preferida por mim: “IMPOSTO É ROUBO”. Nos anos seguintes ele seguiu o caminho da política. Perdeu algumas eleições para deputado, mas foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e depois ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro. Longe de ser um político de princípios como Ron Paul, Salles também está longe de ser um político nefando como Kim Kataguiri, embora Salles também defenda algumas ideias atrozes.[6] Levando em conta o cenário político atual, Salles seria o que os libertários que defendem a via política chamam de “o mal menor”. Eu não sou um desses libertários, e considero esse caminho inócuo. Henry David Thoreau dizia que “para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas um atacando as raízes”, e embora uma árvore do mal podada seja preferível a uma frondosa, somente o radicalismo intransigente pode derruba-la. Ou, como Hoppe coloca, “gradualismo ou concessão teórica irá gerar apenas a perpetuação da falsidade, do mal e das mentiras do estatismo. Somente o purismo teórico, com seu radicalismo e sua intransigência, pode e irá resultar primeiro em reformas práticas e graduais, depois no aprimoramento, até finalmente chegar a uma possível vitória final”.[7] Estes exemplos servem para mostrar que o radicalismo intransigente tem um preço, ao passo que a condescendência maleável pode ser compensatória, dependendo do ponto de vista do que seria sucesso.[8] Não que eu próprio fosse ser hoje um comentarista de TV ou colunista de jornal ou político se eu não fosse um radical intransigente. Creio que eu não tenha vocação e nem talento para nenhuma dessas coisas. Mas certamente outros radicais intransigentes possuem tais talentos, e mesmo assim essa não é a recompensa que eles obtêm. No Brasil hoje, o único austro-libertário intransigente com essa vocação seria o economista austro-libertário conservador Paulo Kogos, que até hoje só esteve uma vez em um programa da grande mídia onde pudesse expor suas ideias,[9] e não consegue chegar a um público mais abrangente nem mesmo na internet, devido à constante censura das Big Techs. Apesar dessa censura, um bom divulgador das ideias libertárias que geralmente está do lado certo dos temas, Peter Turguniev, tem crescido em alcance on-line; porém, é Raphael Lima, um progressista democrata multiculturalista – e por isso imune a censura politicamente correta – que se autodenomina libertário, que possui o maior alcance na internet, o que representa um grande revés para o austrolibertarianismo brasileiro. Ainda mais grave é ver o que se tornou nosso antigo instituto depois de nossa saída. Tomado por liberais clássicos, objetivistas randianos, hayekianos e conservadores estatistas, se tornou um balaio de gato que aceita praticamente tudo. Hoje encontramos ali os livros de Hoppe, Rothbard e Mises de nossa época misturados com novas publicações louvando Ayn Rand,[10] um livro enaltecendo ninguém menos que o genocida, incendiário e ocultista Churchill como herói da liberdade,[11] e até um livro de um deputado glorificando a democracia.[12] [13] A triste derrocada do Instituto Mises Brasil pôde ser notada desde a época da cisão por qualquer um que estivesse prestando atenção, mas um episódio recente pode resumir todos esses degradantes anos. Basta comparar a atuação do Instituto Rothbard e do Instituto Mises Brasil durante esses dois anos da terrível ditadura sanitária que estraçalhou a liberdade de um modo nunca antes visto. Enquanto publicamos incessantemente, desde o dia 1 da fraudemia, artigos defendendo a liberdade contra os ataques dos governos (480 artigos até o momento, sendo 84 somente sobre máscaras), eles se calaram diante da tirania covidiana, capitularam com a narrativa mainstream emitindo nota apoiando o Fique em Casa e até se tornaram vendedores de máscaras personalizadas.[14] Natural – alguém que se recusou a defender a secessão por medo de ser considerado xenófobo pelo mainstream jamais teria coragem de encarar o tsunami fraudêmico e ser considerado um negacionista “assassino de vovozinhas” por esse mesmo mainstream que tenta agradar. Não obstante, entendemos que o fator primordial que limita nossa abrangência é próprio teor da mensagem libertária autêntica, já que é ela um constante dedo na ferida do “statist quo”; é o garoto dizendo para todos, o tempo todo, que o rei está nu. O próprio Hoppe nos mostra o que é um radical intransigente em um programa de TV. Hoppe é um intelectual acadêmico, que além de preferir a comunicação escrita, considera que seu tempo escasso não seria bem gasto com a repetição incessante das mesma ideias que aparições constante na televisão iriam requerer. Mas mesmo a televisão sendo um local totalmente inapropriado para uma discussão intelectual séria como às quais Hoppe está acostumado, em 2019 ele concordou em participar de um programa do canal austríaco Servus TV, Conversas no Hangar 7,[15] apenas porque conhecia o apresentador e seria um programa ao vivo, ou seja, sem chance de ser editado. Hoppe descarregou um caminhão de verdades que deixou os outros convidados do programa chocados e indignados, entre eles uma juíza e membra do parlamento europeu, que não se conformou com Hoppe mencionar o fato de que ela viveu parasiticamente do estado por toda sua vida profissional. Ele também soltou verdades como estas: “A União Europeia é uma continuidade das forças vitoriosas da Segunda Guerra Mundial para enfraquecer a moeda alemã”, “O estado é um bando de ladrões que tira das pessoas produtivas e dá para as improdutivas, incluindo seus amigos improdutivos”, “Apesar das políticas migratórias da União Europeia, os europeus não querem suas fronteiras abertas para todo tipo de imigrantes”, “A Bavaria deve poder se separar da Alemanha” e “A ideia de uma Europa centralizada vem de conquistadores como Carlos Magno, depois Napoleão, depois Hitler; é uma fantasia que ninguém deseja”. Fica fácil perceber porque a grande mídia fecha suas portas para o radicalismo austro-libertário intransigente. Embora no Brasil essas portas ainda estejam totalmente fechadas, em outras partes do mundo a situação é um pouco diferente. O próprio autor de um dos capítulos deste livro, Remigijus Šimašius, segue carreira política: foi Ministro da Justiça da Lituânia de 2008 a 2012, e desde 2015 é prefeito de Vilnius, capital e maior cidade do país; e outros costumam participar como comentaristas na televisão, como, por exemplo, Lew Rockwell e suas muitas aparições no canal internacional russo RT News. Contudo, essas portas fechadas estão cada vez mais irrelevantes conforme a relevância da grande mídia vai se esfacelando. A tiragem de jornais e revistas e a audiência das grandes redes estão despencando a cada dia, embora ainda tenham muita força no Brasil e no mundo: vide a psicose de formação em massa que conseguiram criar e manter na população durante a fraudemia Covid-19. Outros meios de alcançar as massas e moldar a opinião pública estão cada vez mais disponíveis, e moldar a opinião pública é o caminho apontado por Hoppe em sua estratégia para se alcançar uma sociedade livre. Como La Boétie, Hume, Mises e Rothbard, Hoppe entende que a legitimidade e o poder do estado dependem da opinião pública. E como Ortega Y Gasset coloca, este poder público existe mesmo sem um estado:
“a forma de pressão social que é o poder público funciona em toda sociedade, inclusive naquelas primitivas em que não existe ainda um organismo especial encarregado de manejá-lo. Se a esse órgão diferenciado a quem se entrega o exercício do poder público se quer chamar Estado, diga-se que em certas sociedades não há Estado, mas não se diga que nelas não há poder público. Onde há opinião pública, como poderá faltar um poder público se este não é mais que a violência coletiva suscitada por aquela opinião?”[16]
O estado é apenas a institucionalização de uma opinião pública que apoia ou tolera a iniciação de violência. Uma percepção comum, mas incorreta, é a de que ser libertário se resume a ser contra o estado. Na verdade, ser libertário é simplesmente ser contra a violência iniciada, seja ela iniciada coletiva ou individualmente. O estado simplesmente é o incomparavelmente maior iniciador de violência da sociedade, por isso libertários focam seus esforços na luta contra o estado. Considerando que a opinião pública é moldada por intelectuais, Hoppe chamou sua estratégia de “intelectualismo anti-intelectual”. Ela consiste em contornar o mundo acadêmico e atingir diretamente o público, usando argumentos morais ao invés de utilitários.[17] O radicalismo austro-libertário intransigente, incorporado ao intelectualismo anti-intelectual, é o que inspira o Instituto Rothbard a se unir ao Mises Institute e à Property & Freedom Society no “desenvolvimento de uma contracultura intelectual antiestatista”.[18] A publicação de Propriedade, Liberdade & Sociedade em língua portuguesa, além de ser mais uma adição a esse desenvolvimento, é uma forma de participarmos indiretamente da homenagem feita ao professor Hoppe 13 anos atrás, e de agradecimento por ele ter nos fornecido não apenas conhecimento e estratégia, mas também um modelo de postura intelectual para a vida toda. Obrigado, Hans.   _______________________________ Notas [1] Hans-Hermann Hoppe, “Crises Econômicas: Como Provocá-las e Como Piorá-las” e “Queremos uma Sociedade com Leis Estatais ou Privadas?”, disponíveis em https://rothbardbrasil.com/ii-seminario-de-escola-austriaca [2] Hans-Hermann Hoppe, “Minha batalha contra a polícia do pensamento”, publicado no Instituto Rothbard em https://rothbardbrasil.com/minha-batalha-contra-a-policia-do-pensamento [3] “Cultura e liberdade – uma entrevista com Hans-Hermann Hoppe”, disponível em https://rothbardbrasil.com/cultura-e-liberdade-uma-entrevista-com-hans-hermann-hoppe [4] Rodrigo Constantino, Economia do Indivíduo: O Legado da Escola Austríaca, disponível em https://rothbardbrasil.com/economia-do-individuo-o-legado-da-escola-austriaca [5] Disponível em https://youtu.be/kir9hy20Opk [6] Políticos que se lançam como liberais não são novidade no Brasil. O economista e escritor Roberto Campos (1917–2001) que se dizia liberal e sempre citava Hayek e até Mises foi ministro, deputado e senador. E entre suas atrocidades estão a criação do BNDES e do Banco Central. Outro político mais recente que já foi ministro, deputado e prefeito da maior cidade do Brasil, começou como um defensor do Liberalismo; em sua primeira campanha como vereador distribuiu panfletos com textos liberais onde recomendava a leitura de livros de Hayek. Seu nome, Gilberto Kassab. [7] Hans-Hermann Hoppe, “A Ética Rothbardiana”, incluído como capítulo 15 de A Economia e a Ética da Propriedade Privada, Instituto Rothbard, 2021. [8] Uma medida de sucesso apropriada pode ser obtida ao comparar o movimento libertário com o movimento abolicionista. Escravidão e Estado são instituições milenares de agressão que acompanham a humanidade desde seus primórdios. Ideias abolicionistas surgiram há muitos séculos e o abolicionismo como um movimento intelectual extinguiu a escravidão globalmente ao mudar a opinião pública, o que levou mais de cem anos. O libertarianismo moderno teve início com Murray Rothbard, e como movimento está longe de alcançar seu objetivo, mas se algum dia a opinião pública se voltar contra a agressão institucionalizada do estado, este sucesso será creditado a pensadores como Hoppe, ao passo que todos os intelectuais estatistas, por mais reconhecimento que possuam hoje, serão esquecidos pela história. [9] Programa Pânico, da Rede Jovem Pan, de 6 de novembro de 2020, disponível em https://youtu.be/1S26h6Ez7O8 [10] Dennys Garcia Xavier, Ayn Rand e os devaneios do coletivismo: Breves lições, Editora LVM, janeiro de 2019, e A Farmácia de Ayn Rand: Doses de Anticoletivismo, Editora LVM, fevereiro de 2021. [11] Ricardo Sondermann, Churchill e a ciência por trás dos discursos: Como Palavras se Transformam em Armas, Editora LVM, janeiro de 2018. [12] Marcel van Hattem, Somos nós com uma voz: Do megafone à tribuna defendendo a liberdade, o estado de direito e a democracia, Editora LVM, abril de 2018. A editora do Instituto Mises Brasil lançou até um livro do político criador do Banco Central e do BNDES, Roberto Campos, citado na nota 6 acima: A constituição contra o Brasil: Ensaios de Roberto Campos sobre a constituinte e a constituição de 1988, Editora LVM, janeiro de 2018. [13] Diante desta catástrofe editorial do Instituto Mises Brasil, e com o Instituto Rothbard sem recursos conseguindo publicar novos livros apenas esporadicamente, são iniciativas de entusiastas austrolibertários que estão nos ajudando na missão de disponibilizar em português obras austrolibertárias. A Editora Konkin e o Instituto Hoppe já traduziram importantes obras como Homem, Economia e Estado de Rothbard, Socialismo e O fundamento último da Ciência Econômica de Mises e O Mito da Defesa Nacional, editado por Hoppe, entre outros. [14] Para sermos justos, em abril e maio de 2021, talvez para não ficar feio demais e tentar reivindicar que sempre estiveram contra a ditadura sanitária, eles publicaram dois livros sobre o tema, um do nosso ex-amigo Jeffrey Tucker, Liberdade ou Lockdown, e outro de Jay W. Richards, William M. Briggs, e Douglas Axe, O Preço do Pânico. [15] Disponível em http://www.hanshoppe.com/2019/01/hoppe-on-austrian-tv-on-brexit-and-the-eu [16] José Ortega Y Gasset, A Rebelião das Massas (Tradução de Herrera Filho). [17] Hans-Hermann Hoppe, “A Ética Rothbardiana”. [18] Hans-Hermann Hoppe, “The Property and Freedom Society – Reflexões após cinco anos”, disponível em https://rothbardbrasil.com/the-property-and-freedom-society-reflexoes-apos-cinco-anos/

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